"Espiritismo não é a religião do futuro, mas o futuro das religiões". ...Leon Denis

"O espiritismo é toda uma ciência, é toda uma filosofia.Quem desejar conhece-lo seriamente deve pois, como primeira condição,submeter-se a um estudo sério e persuadir-se que mais do que qualquer outra ciência, não se pode aprendê-lo brincando" Allan Kardec

"Se a religião recusa caminhar com a ciência, a ciência avança sozinha."... (Allan Kardec)

domingo, 5 de outubro de 2014

E assim tudo começou !

Texto Extraído do Livro: As Mesas Girantes e o Espiritismo
De Zêus Wantuil
AS MESAS GIRANTES E O ESPIRITISMO
1. - Anteriormente às «mesas girantes». - Comunica­ção dos Espíritos por meio de «raps» ou «echoes». - A «telegrafia espiritual». - Revelação dos Desíg­nios Superiores. - Veracidade dos fenômenos.

Numerosos foram os precursores do Espiritismo que evidenciaram a comunicação dos supostos mortos com os vivos da Terra, revelando-nos um novo mundo de conhe­cimentos até então semiocultos aos homens.
As visões do sábio sueco Swedenborg, as profecias de Cagliostro, ou os fenômenos mediúnicos produzidos em 1840, na Alemanha, pelo médium inconsciente Gottlie­ben Dittus; a clariaudiência de Charles-Louis (que dizia ser o delfim Luís XVII), do qual foram publicados, de 1839 a 1841, interessantes livros "revelados"; as retum­bantes comunicações dos Espíritos obtidas desde 1840 por intermédio da sonâmbula Adele Maginot, sob a orienta­ção de Monso Cahagnet, que editorou a partir de 1847 os "Arcanos da Vida Futura desvendados"; as notáveis ma­nifestações medi únicas da famosa vidente de Prevorst, re­gistradas pelo reputado Dr. Kerner, em 1829; os fenômenos com o pastor escocês Eduardo Irving; os extraordinários poderes mediúnicos de André Jackson Davis, que em 1847, em transe, recebeu “The Principles 0f Nature, her Divine Revelation", obra que predizia para breve a comunicação ostensiva dos Espíritos, numa demonstração exuberante da imortalidade; dezenas de outros nomes e fatos vinham confirmando, cada vez mais claramente, a verdade milená­ria da comunicação dos seres que partiram com os que ficaram.
Não iremos relatar a interessantíssima história das pancadas e dos ruídos misteriosos, rappings, noise e knockings, que, segundo a descrição da Sra. Emma Har­dinge Britten, principiaram em fins de 1844 na aldeia de Hydesville, Condado de Wayne, no Estado de Nova lorque, numa casa em que residiam os Weekmans, mani­festações que continuaram após a saída do antigo dono e a entrada da Família Fox, em 11 de Dezembro de 1847. Não discorreremos sobre os empolgantes acontecimentos que conduziram à primeira conversação com os autores dos ruídos insólitos, em 31 de Março de 1848, data que ficou gravada em letras inapagáveis no movimento espí­rita-espiritualista mundial. E nem buscaremos descrever as primeiras demonstrações públicas, com as irmãs Fax, iniciadas aos 14 de Novembro de 1849, no Corinthian Hall, o maior salão de Rochester, e das quais resultou a organização do primeiro núcleo de estudantes do Espi­ritualismo moderno.
. Acredita-se que o irmão do Sr. Fax, David S. Fox, tenha sido o primeiro a usar o alfabeto, em Hydesville, para comunicações sistemáticas com os Espíritos, mas foi lsaac Post, membro estimado da Sociedade dos Qua­kers, quem o divulgou, dele se utilizando em Rochester. Dizendo em voz alta o alfabeto, convidava-se o Espírito a indicar por raps ou echoes, no momento em que fossem pronunciadas, as letras que, reunidas, deviam compor as palavras que queria dizer. Estava descoberta a "tele­grafia espiritual". Por este processo foi obtida a seguinte comunicação, a primeira que apresentou, em comparação com as anteriores, maior extensão, verdadeira mensagem reveladora dos Desígnios Superiores:
“Dear friends, you must proclaim these truths to the world. This is the dawning of a new era; and you must not try to conceal it any longer. When you do your duty, God will protect you; and good Spirits will watch over you."
"Caros amigos, deveis proclamar ao Mundo estas verdades. E' a aurora de uma nova era; e não deveis tentar ocultá-Ia por mais tempo. Quando houverdes cum­prido o vosso dever, Deus vos protegerá; e os bons Espí­ritos velarão por vós."
Os anos 1848-1849 foram, segundo a expressão fiel de Eugênio Nus, "a fase de incubação do modern spiri­tualism, o futuro espiritismo na Europa".
Terminadas as investigações públicas em Rochester, com a afirmação da veracidade de fenômenos diversos, entre eles o da mesa movente (table-moving), testemu­nhados por respeitáveis personalidades, como os reveren­dos C. Haumond e E. Phelps, este Doutor em Teologia, cresceu a agitação em torno deles, e a imprensa esta­dunidense divulgou-os de uma à outra extremidade da União, tanto que antes de findar o ano de 1850 o modern spiritualism já havia invadido alguns Estados da União, e Nova Iorque contava numerosos Centros.
 2. - Surgem as «mesas falantes» nos Estados Unidos. - Conversão de homens célebres. - Grande reper­cussão. - O primeiro periódico espírita do Mundo. - A imprensa francesa. - Desvirtuamento do sen­tido das mensagens. - Objetivo das manifestações dos Espíritos. - Converte-se famoso professor da Universidade de Missouri.

Até então os Espíritos, em a nação americana do Norte, só se comunicavam através do processo a que já nos referimos, o qual, além de grosseiro, era de grande morosidade, trabalhoso e tedioso.
Os próprios Espíritos indicaram, em fins de 1850, nova maneira de comunicação: bastava simplesmente que se colocassem ao redor de uma mesa, em cima da qual se poriam as mãos. Levantando um dos seus pés, a mesa daria (enquanto se recitava o alfabeto) uma pan­cada toda a vez que fôsse proferida a letra que servisse ao Espírito para formar as palavras. Este processo, ainda que muito lento, produziu resultados excelentes, e assim se chegou às mesas girantes e falantes.
"Há que notar que a mesa não se limitava a levan­tar-se sobre um pé para responder às perguntas que se faziam; movia-se em todos os sentidos, girava sob os dedos dos experimentadores, às vezes se elevava no ar, sem que se descobrissem as forças que a tinham suspen­dido."
Sendo curiosíssima essa nova maneira de proceder, não houve quem não se sentisse fortemente atraído para essas experiências, e destarte a moda das mesas girantes e falantes tomou de assalto as cidades norte-americanas. Sacerdotes de mil e tantas seitas ocuparam-se da questão. Os padres católicos, julgando-se os mais fortes, confian­tes e com grandes reforços de hissopes, vieram exorcizar os Espíritos e as mesas caprissaltantes. Mas as mesas "possessas" faziam coro e respondiam amém às orações exorcistas. O efeito era nulo: a água benta da Idade Média havia-se deteriorado!
Numa sessão realizada em Nova Iorque, em 1850, sentados ao redor de uma mesa, vemos o Rev. Griswold, o novelista Fenimore Cooper, o historiador J. Bancroft, o Rev. Dr. Hawks, os doutores J. W. Francis e Marcy, o poeta quaker Willis, o poeta Bryant, o general Lyman e o periodista Bigelow, do Evening Posto Todos eles se manifestaram satisfeitos com a sessão, e declararam: "As maneiras e a conduta das jovens (isto é, das três irmãs Fox) são tais que tudo se inclina a favor delas."
Em Janeiro de 1851, o jurista John Worth Edmonds, ex-senador, ex-juiz do Supremo Tribunal de Nova Iorque, um dos homens mais respeitados nos Estados Unidos, começou suas investigações no campo da fenomenologia espiritualista, e eis a narração de um fato que lhe foi dado presenciar a 23 de Abril do mesmo ano: "Fiz parte de um grupo de nove pessoas e nos assentamos em torno de uma mesa colocada no meio do quarto, sobre a qual se achava um lampião aceso. Um outro lampião perma­necia em cima da lareira. Dentro em pouco a mesa foi elevada pelo menos a um pé do soalho, e sacudida para frente e para trás, com largo desembaraço. Alguns de nós tentamos retê-Ia, empregando toda a força de que dispúnhamos, mas em vão. Afastámo-nos todos para longe da mesa, e, à luz dos dois lampiões, vimos este pesado móvel de acaju suspenso no ar. Tomei a resolução de prosseguir essas investigações, decidido a esclarecer o público, pois pensava que tudo não passasse de ilusão; minhas pesquisas, porém, me conduziram a um resultado totalmente oposto”.
A divulgação dessas experiências com as mesas, e a seguir a conversão do juiz Edmonds, materialista que sempre rira da crença nos Espíritos, que sempre escar­necera de quem quer que fôsse que acreditasse manter relações com um mundo espiritual, pasmaram a todos os norte-americanos, aumentando ainda mais o interesse pelas manifestações inteligentes ultratumulares.
Novos testemunhos, de pessoas de elevada conside­ração, como William Owens, Morrow, Gatchell, Kossuth (trata-se do célebre político e revolucionário húngaro Lajos Kossuth), Buchanan (certamente o Dr. José Rho­des Buchanan, precursor da Psicometria), etc., vieram corroborar a veracidade dos fenômenos.
Por estarem na vizinhança dos Estados Unidos, o Canadá e o México foram as primeiras nações do Mundo a conhecerem os extraordinários fatos.
Nesse meio tempo, os Espíritos se apossam das pes­soas dotadas de mediunidade e iniciam novos processos de comunicação com os vivos da Terra. Os médiuns, sob a ação dos mortos a princípio apontam as letras existentes num círculo; logo depois, psicografam (writing mediums) e transmitem mensagens psicofônicas (speaking mediums). As mesas falantes imediatamente decresceram de importância nos Estados Unidos, embora não desa­parecessem, porque tinham a vantagem de provar aos iniciantes a absoluta independência do pensamento do médium.
Em 1852, W. Bryant, B. K. Bliss, W. Edwards e David A. Wells, professores da Universidade de Harward, publicaram um Manifesto célebre, para apoiar com seus testemunhos a autenticidade dos movimentos e elevação da mesa, sem que para isso entrasse em jogo qualquer agente físico conhecido. Tais professores, depois de vá­rias experiências, "praticadas com o mais escrupuloso cuidado", se viram obrigados a "admitir que ali havia a manifestação constante de uma força inteligente, que parecia ser independente das pessoas vivas"
Ainda em 1852, a 8 de Maio, era dado à estampa, em Nova Iorque, o primeiro periódico espírita do Mundo, o Spiritual Telegraph, subvencionado pelo negociante Se­nhor Partridge, com o auxílio do Rev. S. B. Britain. Foi o vanguardeiro dos novos ideais em toda a América do Norte, em cujas colunas os adeptos mais eminentes res­pondiam às invectivas de artigos publicados pela im­prensa profana. Esta, na sua generalidade, ridiculizava as mesas girantes e os Espíritos batedores, e - conforme as expressões de Gabriel Delanne - não havia escre­vinhador de jornais ou sorumbático amanuense que não se desse por autorizado a criticar esses alucinados que acreditavam sinceramente que a alma do seu próximo pudesse erguer o pé de um móvel.
No outro lado do Atlântico, raras eram as notícias que ali aportavam falando dos extraordinários fenôme­nos, e, em geral, falhas, incompletas, desvirtuadas, pon­tilhadas do sarcasmo e do ridículo dos cronistas. Por isto mesmo, na Europa, a princípio nenhuma atenção ligaram ao "maravilhoso" que despontara naquelas plagas distantes. E, comentando, escreviam os jornais europeus que com certeza nascera mais uma seita religiosa na grande nação americana, onde - acrescentavam - o misticismo exaltado criava todos os dias novas religiões. Não havia, pois, novidade... A imprensa francesa cala­va-se completamente sobre essa revolução americana. Todos os paquetes que na França abordavam proceden­tes dos Estados Unidos transportavam pela boca dos passageiros aquelas novas, além de jornais e de uma que outra obra acerca do assunto que atraia as atenções gerais dos estadunidenses. Mas - diz o Marquês de Mirville - como os navios traziam ao mesmo tempo os preços do café e do algodão, estes tomavam toda a coluna dos periódicos franceses, na secção relativa aos Estados Unidos, e esta única preocupação absorvia em regra quaisquer outras notícias, principalmente aquelas a que nos vimos referindo, desprezadas como banalidades.
Segundo nos informa Mirville, o primeiro jornal francês a dar maior destaque à questão foi o L'Univers, num artigo publicado em 26 de Julho de 1852, sob o título: "Les spiritualistes d' Amérique".
Não nos furtamos de traduzir alguns tópicos: "Há um ano que os jornais políticos da América assinalam os progressos de uma nova seita, que possui adeptos em toda a superfície dos Estados Unidos. Tais progressos, longe de esfriarem, tomam notável desenvolvimento, e, em data recente, a atenção pública seguia os movimentos dos espiritualistas, reunidos em convenção geral na ci­dade de Cleveland, às margens do lago Erie. Trata-se de um magnetismo, desta vez sem sonambulismo, e da evocação das almas dos mortos, que viriam guiar os vivos com os seus conselhos. Duas jovens de Rochester, as irmãs Fax, respectivamente de 13 e 15 anos, foram, há quatro anos, as autoras dessa doutrina, ao sustenta­rem que elas entravam, à vontade, em comunicação com os Espíritos." Após descrever o modo por que manifes­tavam os Espíritos a sua presença, através de pancadas, de estalos no ar, de abalos transmitidos a mesas ou a cadeiras, as quais se punham a dançar, após contar que pianos faziam ouvir concertos celestiais, sem o concurso de nenhum executante visível, o articulista concluía as­sim: "A única explicação possível está no demônio, que é a causa desses criminosos embustes, e, para se con­vencer disto, basta reparar que as revelações dos Espíri­tos têm toda a finalidade de minar a religião, e que os jornais socialistas da América fazem grande ruído em torno dessas superstições, na esperança de usá-Ias para popularizarem suas ardentes ambições."
Abrimos um parêntesis para explicar o motivo que conduziu o L'Univers a escrever a conclusão final. Nos Estados Unidos, as irmãs Fox, e bem assim vários outros médiuns, recebiam freqüentes comunicações de Espíritos que revelavam serem aqueles fenômenos o prelúdio de uma renovação espiritual no Mundo. O sentido exato dessas revelações foi naqueles dias maliciosamente des­virtuado por interesses políticos e religiosos, e em pouco tempo se estabeleceu uma reação violenta, sendo os "espi­ritualistas"· arrolados como licenciosos, revolucionários e até criminosos. Começava o Espiritualismo Moderno a ser tido como um perigo social, e se não fora um grupo de homens íntegros e respeitados pela Nação, os quais, declarando desassombradamente as suas convicções a fa­vor da realidade e transcendência dos fenômenos, fizeram frente aos detratores, a história daquele país talvez se manchasse com a perseguição e matança de centenas de mártires espíritas.
"As revelações - escrevia a imprensa conservadora e o clero - ensinam a destruição das organizações ecle­siásticas existentes, e dizem serem necessárias transfor­mações vitais no mundo social e comercial. Como é geral a crença numa procedência espiritual desses ensinos, crença que se expande cada dia, o efeito será, como disse­mos previamente, a formação de um grande partido radical, que em pouco tempo se desenvolverá por si mes­mo, e surpreenderá o Mundo pela sua força."
Misturando cavilosamente a política às revelações do Além, todas de fundo pura e visivelmente moralizador, os nov.os fariseus supunham desta forma escurecer as verdades vindas de mais Alto, eclipsar a alvorada do Consolado prometido pelo Mestre Jesus. Tudo embalde, porém... As clarinadas dos Espíritos ressoavam mais e mais fortemente, sobressaindo ao alarido das vozes inconseqüentes. Aqueles seres invisíveis, como verda­deiras trombetas celestiais, dirigiam-se para todos os lados apregoando por mil maneiras os novos ideais de amor e fraternidade.
O objetivo da intercomunicação dos vivos com os mortos desde cedo se revelara aos homens. O ex-gover­nador de Wisconsin e senador dos Estados Unidos, N. P. Tallmadge, uma das figuras proeminentes da política ianque, numa carta à Sra. Sarah Helen Whitman, de Providence, R. I., datada de Baltimore, 12 de Abril 1853, conta que na presença da Sra. Fox e filhas obteve na cidade de Washington, em Fevereiro do mesmo ano, a seguinte mensagem do estadista John Caldwell Cal­houn, falecido em 1850: "Meu amigo, perguntam-vos que bem podem fazer nossas manifestações. Eu respon­do a isso: elas têm por objetivo congraçar os homens, convencendo os cépticos da imortalidade da alma."
Esta comunicação foi dada letra por letra, uma pan­cada pata cada uma, segundo o método ordinário que atrás já mencionamos. O senador Tallmadge faz notar, em seguida, que no ano de 1850, em Bridge-Port, com a presença de outros médiuns, entre as várias perguntas formuladas e as várias respostas recebidas, a pergunta: "Que têm em vista os Espíritos em se manifestando a nós?" - provocou da parte de W. E. Channing uma resposta perfeitamente semelhante àquela de Calhoun: "Unir a família humana e convencer 08 céptic08 de uma outra vida." E conclui o ilustre senador com aquele espírito de observador profundo: "Essa unidade de vistas de dois espíritos tão elevados, sobre um ponto de suma importância, é digno, ao que me parece, de atenção."
Com este longo parêntesis quisemos demonstrar que os processos ardilosos e desleais de que se serviram para perseguir o Rabi da Galiléia e, posteriormente, os pri­meiros cristãos, foram, na verdade, aqueles mesmos em­pregados contra os adeptos do Espiritismo nascente.
Contudo, como que reparando logo após o comen­tário tendencioso a respeito dos fenômenos, o jornal L'Univers extraiu do Courrier des États-Unis uma cor­respondência de 25 de Junho de 1852, datada de Saint­-Louis, cidade situada à margem do rio Mississipi. Esta correspondência começa assim: "Passam-se aqui, e em grande parte da América, fatos aos quais a imprensa dá uma certa atenção ... Se os fatos são o que pretendem ser, eles anunciam uma revolução religiosa e social, e são o índice de nova. era cosmogônica. O contágio se faz de maneira inexplicável, sem que seja possível compreen­der-lhe a causa: é uma alucinação que se apodera de quase toda a gente. Falo dos fenômenos conhecidos pelo nome de manifestações espirituais, ou manifestações dos Espíritos do outro mundo. Sei que estas palavras atrai­rão um sorriso de piedade para os lábios daqueles que não sabem de que se trata; apesar de tudo, a loucura, se loucura há, se· apodera dos cérebros mais bem cons­tituídos."
Mais adiante, o correspondente norte-americano, cre­mos que o pastor Haumond, refere-se à missão das senho­rinhas Fox, ao número elevado de médiuns já existentes nos Estados Unidos, e observa: "Para as pessoas que têm acompanhado esses desenvolvimentos extraordiná­rios, a fraude e a magia branca já não podem ser levadas em conta. Os que repelem a ideia de uma intervenção dos Espíritos, chamam em seu auxílio a eletricidade e o magnetismo para explicar essas incríveis novidades; po­rém, as teorias mais engenhosas não podem dar a expli­cação de tudo o que se passa, e a hipótese dos Espíritos é até o momento a única que parece responder a todas. as dificuldades."
Continuando o Courrier des États-Unis narrou um fato de ampla repercussão nos meios médicos, fato que passamos a resumir: As irmãs Fox compareceram ao anfiteatro da Escola de Medicina da Universidade de Missouri, diante de uma assembléia de 500 a 600 pessoas, submetendo-se a um comitê de investigação, que fisca­lizava as experiências dirigidas pelo deão da Faculdade, sábio professor de Anatomia, célebre pelos seus conhe­cimentos médicos, e reputado pela sua argúcia e cepti­cismo. A reunião foi presidida pelo presidente da Câmara Municipal da cidade, bem conhecido pela sua oposição à nova doutrina. Todos acreditavam que o velho pro­fessor demoliria, enfim, o edifício inteiro do Espiritualismo Moderno. Mas, oh espanto! O famoso materialista, depois de dissecar os fenômenos mediúnicos, proclamou a sua crença na imortalidade da alma e declarou crer na presença dos Espíritos e na comunicação através de meios físicos.
Finalizando a sua narrativa, o correspondente dizia que muitos outros fatos mais surpreendentes ainda po­deria contar, mas preferia assinalar aqueles "cuja auten­ticidade está acima de toda a suspeita, e sobretudo essa singular declaração partida de um dos santuários da Ciência da metade do século XIX".
Como vemos o artigo supramencionado não deixava de ser curioso, mas os franceses não se preocupavam com essas coisas que vinham de tão longe, e ninguém se lem­brou de dar ao assunto maior relevo, pelo motivo que expusemos no princípio: tratava-se, segundo o pensa­mento geral, nada mais, nada menos, de uma nova seita americana, cheia de místicos e crendices inaceitáveis...
 31 - Posição do Prof. Rivail ante o fenômeno das «me­sas falantes». - Idêntico procedimento do Dr. Brierre de Boismont. - Providencial encontro, em 1855, do Prof. Rivail com o Sr. Carlotti. - Com a so­nâmbula Sra. Roger. - Na casa da Sra. Plainemai­son o Prof. Rivail testemunha, afinal, os fatos então correntes. - As sessões com a Família Baudin. ­O processo da «cestinha» no intercâmbio com os Es­píritos. - Experiências reiteradas levam Rivail a grandiosas conclusões. - Exploração do Novo Mun­do; - Ilustres estudiosos insistem junto ao profes­sor Rivail. - Os cinqüenta cadernos de comuni­cações.

Voltemos ao período áureo das mesas girantes...
O professor Hippolyte Léon Denizard Rivail, como já vimos, externou em fins de 1854, ao amigo Fortier, sua opinião a respeito dessas singulares manifestações. Entre várias hipóteses que se depararam ao raciocínio pon­derado do ilustre pedagogista, sobressaiu, naturalmente, a de que tudo poderia enquadrar-se nos limites de uma simples ação do fluido magnético. "Tal foi o primeiro pensamento que tive, como tantos outros" - declarou ele mais tarde.
O Magnetismo achava-se repleto de fatos maravilhosos, conforme mostramos em imperfeito e mal conca­tenado resumo, e não seria um girar de mesa que· desviaria a atenção de velhos adeptos da ciência de Mesmer, preocupados com outras questões para eles mais impor­tantes.
Todavia, a trajetória missionária do Prof. Rivail, traçada de mais Alto, devia cumprir-se, para que cum­prida fosse a promessa do Cristo quanto ao Consolador. "São chegados os tempos - anunciavam unanimemente as Vozes do Além - marcados pela Providência para uma manifestação universal. Têm eles o encargo de dissipar as trevas da ignorância e dos preconceitos. É uma nova era que desponta e prepara a regeneração da Humani­dade." Fora Rivail escolhido para dar destacado impulso a essa nova era, escolhido dentre aqueles gigan­tes Espíritos que através dos séculos reencarnam com o objetivo de guiar a Humanidade em sua marcha ascen­dente para o conhecimento e triunfo da Verdade.
Ainda em 1854, o Prof. Rivail encontrou-se nova­mente com o magnetizador Fortier, que desta vez lhe foi logo dizendo: "Temos coisa muito mais extraordi­nária; não só se consegue que uma mesa se mova, magne­tizando-a, como também que fale. Interrogada, ela res­ponde”.
Dotado, desde a juventude, daquele espírito criado na rigidez dos princípios científicos, mas sem os prejuízos que daí geralmente decorrem habituado a raciocinar com madureza e discernimento, limitou-se a pôr em dúvida as informações do amigo, objetando com estas palavras: "Isto agora é outra questão. Só acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâm­bula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais do que um conto da carochinha."
A dúvida temporária é atitude científica; não conduz a uma credulidade gratuita, por vezes cega e bastante prejudicial ao progresso dos conhecimentos humanos em geral. Rivail, antes de aceitar o fato que lhe era reve­lado, pedia provas, queria ver e observar para crer.
"Absteve-se de afirmar a priori, da mesma forma que, também a priori) evitou negar."
"Eu estava - justificou ele sua reservada atitude ­em face de um fato inexplicado, aparentemente contrário às leis da Natureza e que a minha razão repelia. Nada vira ainda, nem observara; as experiências, realizadas em presença de pessoas honradas e dignas de fé, confir­mavam a possibilidade do efeito puramente material, mas a idéia de uma mesa falante ainda não me entrava no cérebro."
Pensamento um tanto semelhante externou-o o Dr. Brierre de Boismont, famoso cientista, autor de “Des Hallucinations» (1845), sua obra capital.
Reconhecendo-se incompetente para exprimir uma opinião sobre as mesas girantes, acrescia em carta (14-3-1855) ao Marquês de Mirville: "Tenho visto mesas girarem, mas nunca as vi responder de maneira satisfatória às perguntas que lhes eram dirigidas. Não posso, entretanto, negar que pessoas instruídas, bastante dignas de crédito, me tenham declarado ser, muitas e muitas vezes, testemunhas desse fato."
O ano de 1855, logo no seu alvorecer, proporcionou a Rivail outro encontro providencial. Desta vez, defron­trou-se-Ihe o Sr. Carlotti, lingüista competente, natural da Córsega, e a quem permanecia ligado por uma amizade de vinte e cinco anos. O velho amigo, com o olhar infla­mado de estranho júbilo e a voz embargada de arrebata­mento emotivo, não perdeu ocasião: durante cerca de uma hora teceu entusiásticas considerações em torno do fenômeno das "mesas falantes".
"Foi o primeiro - observou Rivail - a me falar na intervenção dos Espíritos, e me contou tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencer, ele me au­mentou as dúvidas."
O Prof. Denizard Rivail, magnetista filiado à escola mesmeriana, puramente fluidista, achava-se afastado de qualquer concepção espiritualista para o caso em apreço o Sem nenhuma tendência ao misticismo, por isso mesmo considerou intimamente que o amigo, um apaixonado por tudo quanto de novo surgia, decerto vira, na sua imagi­nação exaltada, almas do outro mundo onde elas não existiam.
O Sr. Carlotti deve ter percebido, através da expres­são facial de Rivail, as dúvidas, bem próximas da incre­dulidade, que envolviam o espírito do emérito discípulo de Pestalozzi. Mesmo assim, ao concluir sua narrativa, não deixou de acrescentar, profeticamente: "Um dia, você será dos nossos." Ao que Rivail respondeu com simplicidade: "Não digo que não; veremos isso mais tarde”.
"Esta réplica, exprimindo da parte do mestre o es­tado de espírito que nos permitimos qualificar de cepti­cismo benévolo e prudente - comentou o inolvidável Leopoldo Cirne - patenteia um aspecto funda­mental do seu caráter o Embora possuindo vastos conhe­cimentos científicos, estava, todavia isento dessa enfa­tuada pretensão de tantos cientistas que, acreditando-se na posse de todos os segredos da Natureza, decretam a priori a impossibilidade do que ultrapassa a órbita de seus conhecimentos e que se recusam a examinar, quan­do - o que é pior - não procuram dissimular a sua ignorância, engendrando evasivas interpretações para o que não viram ou de que só tiveram imperfeita notícia, como tantos o têm feito acerca dos fenômenos espíritas. Possuía, numa palavra, a humildade do verdadeiro sábio que, em face da imensa Bíblia da Criação, jamais se di­vorcia da modesta e legítima atitude de aprendiz."
Alguns meses se passaram sobre a conversação aci­ma referida, e eis que em certo dia de Maio o Prof. Rivail foi convidado a ir à casa da sonâmbula Sra. o Roger, em companhia do Sr. Fortier, o magnetizador dela. Ali, o destino lhe reservara outra surpresa. Logo ao penetrar a residência da Sra. Roger, deu de rosto com antigo conhecido, o Sr. Pâtier, funcionário público que se im­punha pelo seu caráter grave, frio e calmo, bem como pela sua cultura. Estava também presente à reunião a Sra. Plainemaison. Esses dois respeitáveis assistentes teceram, no decorrer dos trabalhos, largos comentários sobre os fenômenos observados com as "mesas girantes e falantes", usando o Sr. Pâtier de linguagem tão desa­paixonada e serena, em que as conclusões se impunham pela lógica dos raciocínios bem encadeados, que Rivail pela primeira vez ficou realmente impressionado.
Ali mesmo foi convidado para comparecer às reu­niões que, com aquele fim, se realizavam na casa da Sra. Plainemaison, à rua Grange-Bateliere n. 18. O ilus­tre pedagogo aceitou sem delonga o convite, raciocinando dessa maneira, como o fizeram outros homens de saber: "Já que tanta gente se aplica a tais fenômenos, e homens respeitáveis fizeram deles objeto de estudo, deve haver ali alguma coisa de verdade; uma ilusão, uma farsa, seja lá o que for, não pode ter esse caráter de generalidade; seduziria um círculo, uma sociedade, mas não daria volta ao Mundo."
Assim, numa terça-feira de Maio de 1855, às vinte horas, conforme fora combinado, o Prof. Rivail compa­recia ao citado local. "Foi aí - depõe ele próprio - que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das mesas que giravam, saltavam e corriam em condições tais que não deixavam lugar a qualquer dúvida." "Vimos a mesa mo­ver-se, levantar-se, dar pancadas, sob a influência de um ou de vários médiuns. O primeiro efeito inteligente observado foi o obedecerem esses movimentos a uma de­terminação. Assim é que, sem mudar de lugar, a mesa se erguia alternativamente sobre o pé que se lhe indi­cava; depois, caindo, batia um número determinado de pancadas, respondendo a uma pergunta. Doutras vezes, sem o contacto de pessoa alguma, passeava sozinha pelo aposento, indo para a direita, ou para trás, executando movimentos diversos, conforme o ordenavam os assis­tentes." (O Livro dos Médiuns, §67. ) "Assisti também a alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cestinha. Minhas ideias estavam longe de precisar-se, mas havia ali um fato que necessàriamente decorria de uma causa. En­trevi, naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenômenos, alguma coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim estu­dar a fundo."
Rivail podia finalmente declarar, como o fez o Sr. De­lorme, diretor de um dos principais estabelecimentos de ensino de Lião: "O que eu vi é bem claro e bastante positivo. Os fatos para mim já não são duvidosos; o que ignoro são as causas”.
Continuando a freqüentar as reuniões da Sra. Plai­nemaison, o célebre professor, que adquirira no estudo das ciências exatas o hábito das coisas positivas, subme­teu tudo a meticuloso e esperto exame a fim de ajuizar, de vez por todas, a veracidade, ou falácia da fraude e de outras hipóteses que se achavam em voga. "Busquei ­salientou ele - explicar-me tudo, porque não costumo aceitar ideia alguma, sem lhe. conhecer o como e o porquê."
Foi na casa da Sra. Plainemaison que certo dia Rivail teve a felicidade de travar conhecimento com a famí­lia Baudin, em cuja residência, à Rua Rochechouart, tam­bém se realizavam sessões concorridas. Convidado, Rivail passou desde então a freqüentar assiduamente a casa do Sr. Baudin, cuja esposa e as duas filhas, moças muito prendadas, serviam de médiuns.
O meio ali usado para a recepção das respostas dos Espíritos não era o da "mesa falante", mas o da "ces­tinha", mais prático e concludente, oferecendo me­lhores possibilidades de um· estudo menos superficial da matéria em questão.
"Aí - recordou posteriormente Rivail -, tive ensejo de ver comunicações contínuas e respostas a perguntas formuladas, algumas vezes até a perguntas mentais, que acusavam, de modo evidente, a intervenção de uma inteligência estranha." Essas inteligências reiteravam, em todas as partes do Mundo, a sua condição de Espíritos, de almas daqueles que já tinham vivido na Terra. "Nin­guém - salientou o professor lionês - imaginou os Es­píritos como meio de explicar o fenômeno; foi o próprio fenômeno que revelou a palavra." Fatos irrecusáveis, por ele mesmo presenciados, confirmaram-lhe a veracidade daquelas singulares afirmações.
Apesar de geralmente banais os assuntos tratados nessas sessões, ocupando-se a quase totalidade da nume­rosa e heterogênea assistência em formular perguntas fúteis e mundanas aos Espíritos, sem outro propósito que o de se entreterem e satisfazer uma curiosidade passa­geira, apesar de tudo isso, o Prof. Rivail, no silêncio de suas observações, revelando a acuidade de sua visão de predestinado, logo pressentiu que na frivolidade daque­las experiências talvez se envolvessem questões do maior interesse para o Mundo.
Eis o que ele nos diz em continuação, consoante o seu interessantíssimo depoimento pessoal: "Foi nessas reuniões que fiz meus primeiros estudos sérios em Espi­ritismo, mais por observações do que por meio de reve­lações. Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método experimental. Nunca elaborei teorias pre­concebidas; observava cuidadosamente, comparava, de­duzia conseqüências. Dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, só admitindo por válida uma explicação quando ela re­solvia todas as dificuldades do problema. Foi assim que sempre procedi em meus trabalhos anteriores, desde os meus quinze ou dezesseis anos. Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender; en­trevi naquele fenômeno a chave do problema, tão obscuro e tão controvertido, do passado e do futuro da Humani­dade, a solução que eu procurara durante a minha vida inteira. Era, em suma, toda uma revolução nas idéias e nas crenças. Cumpria, portanto, proceder com circuns­pecção, e não levianamente; ser positivista e não idea­lista, a fim de me não deixar embair por ilusões."
Nessas palavras está definido o verdadeiro homem de ciência, com diretrizes solidamente fundadas sobre a Razão.
Prosseguindo a investigar palmo a palmo o novo mundo em que penetrava, observando paciente e perse­verantemente as manifestações que se davam muito cedo a experiência lhe demonstrou que os Espíritos comuni­cantes, nada mais sendo que as almas de criaturas ter­renas já falecidas, não tinham a infalibilidade apregoada por outros estudiosos. "Esta verdade - disse Rivail ­me preservou de formular teorias prematuras, baseado nas declarações de um ou de vários Espíritos."
Malgrado tudo isso, Rivail chegara à conclusão de que só o fato da comunicação com os Espíritos, dissessem eles o que dissessem, provava a existência de um mundo invisível intimamente relacionado com o nosso, cujo co­nhecimento lançaria luz sobre uma infinidade de fenô­menos inexplicados, solvendo inúmeros problemas até en­tão tidos por insolúveis.
Orientando-se pela regra invariável que a si mesmo impôs desde o princípio: "observar, comparar e julgar", conduzindo-se com serenidade, imparcialidade e elevado bom-senso, o educador Rivail, "novo e predestinado Co­lombo de outro gênero", começou a explorar esse enigmático mundo para além das fronteiras da morte, quase desconhecido dos seres humanos, geralmente mal interpretado, negado por muitos e incompreensível para a maioria. E para o bom desempenho dessa tarefa Rivail possuía aliadas às suas vastas possibilidades intelectuais, qualidades morais que sobremaneira lhe esmaltavam o caráter.
As sessões na casa do Sr. Baudin, a princípio des­tituídas de qualquer fim útil-, servindo apenas para um passatempo amistoso entre amigos, pouco a pouco foram tomando caráter sério, graças à atuação de Rivail nesse sentido. Levando perguntas relacionadas com questões filosóficas, psicológicas e religiosas, era de ver a admi­ração geral ante as respostas precisas, profundas e lógi­cas que os Espíritos forneciam. É que assistia agora aqueles trabalhos o bem-aventurado Espírito da Verdade que meses depois, em 25 de Março de 1856, de maneira bem interessante se daria a conhecer ao Pro­fessor Rivail, jamais faltando a este com a sua proteção em todas as circunstâncias da vida.
"A morte, o problema milenário das criaturas, per­dia sua feição de esfinge."
Contudo, cumpre esclarecer que naquela ocasião Ri­vail visava apenas a ampliar seus próprios conhecimen­tos sobre esse problema tão debatido por grandes pensa­dores, não lhe passando pela cabeça dar a público as li­ções que lhe chegavam do outro mundo.
Diz mesmo um seu biógrafo que ele, absorvido por seus afazeres cotidianos e com o pensamento dirigido para futuros trabalhos de ensino pedagógico, esteve a ponto de abandonar as investigações que vinha reali­zando. Mas as Forças do Alto novamente se fizeram sentir. Um grupo de intelectuais, tendo à frente o Sr. Carlotti, o velho amigo de Rivail (a "grande e bela alma" que primeiro lhe falou da intervenção de Espíritos nos fenômenos das mesas), dirigiu-se incontinenti à presença do erudito professor, e graças às insistentes solicitações daqueles ilustres homens, Rivail prosseguiu nos estudos que vinha empreendendo na residência da família Baudin.
O Sr. Carlotti, ao que parece desde 1850 se preo­cupava com essas manifestações espirituais, servindo-se, nas suas experiências, dos sonâmbulos· e posteriormente das mesas falantes. A ele juntaram-se depois, além de outros, o professor e lexicógrafo Antoine Léandre Sardou, apreciado autor de várias obras escolares, e seu filho Victorien Sardou, talentos o escritor e médium desenhista, mais tarde membro da Academia Francesa; Saint-René Taillandier, famoso literato, agraciado ao depois com uma cadeira na Academia Francesa; Tiedeman-Marthêse (ou Manthêse?), ex-residente de Java e primo-coirmão da rainha da Holanda; Pierre-Paul Didier, editor da Aca­demia.
Esse grupo de homens eminentes havia reunido cinqüenta cadernos de comunicações de almas que se diziam de pessoas mortas. Acordaram, então, em entregá-los ao insigne professor Rivail, cuja imparcialidade de julga­mento, cultura e notável espírito de síntese eram bem conhecidos, rogando-lhe que os examinasse e apreciasse com a necessária atenção, e que depois os arranjasse numa classificação metódica, por ele mesmo planeada.
"Esse trabalho -- informa-nos ainda Henri Saus­se - era árduo e exigia muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades dessas comunicações, e o sábio enciclopedista se esquivava a tão absorvente e enfadonha tarefa em razão de suas habituais ocupações. Uma noite, Z. seu Espírito protetor, lhe deu por um médium uma comunicação toda pessoal, em que lhe dizia, entre outras coisas, tê-lo conhecido numa existência preceden­te, ao tempo dos Druidas, quando juntos viviam nas Gá­lias, e que ele, Rivail, então se chamava Allan Kardec. Como a amizade que lhe votara crescera sempre, prome­tia-lhe esse Espírito secundá-lo na importantíssima ta­refa para a qual o solicitavam e na qual estaria em con­dições de triunfar."
Esse mesmo companheiro do Além já lhe havia dito que ele possuía aptidão para penetrar as grandes verda­des acerca do nosso destino futuro, mas que o resultado dependeria da sua perseverança no trabalho. Rivail re­lembrou essas e outras palavras, e, pesando bem suas responsabilidades, pôs mãos à obra: tomou os cadernos que lhe haviam sido confiados, leu-os atentamente, dis­secou-os friamente, joeirou pelo crivo da razão todas aquelas informações vindas do Além, excluiu tudo que era de interesse secundário ou que constituísse repetição desnecessária, elegeu de entre os ditados aproveitáveis os melhores, anotou-os cuidadosamente, agrupando-os se­gundo uma mesma ordem de idéias. Juntou, em seguida, o que de interessante ele mesmo já vinha obtendo nas sessões do Sr. Baudin, verificando após essa extraordi­nária compilação as lacunas a preencher e o complemento a atingir.
 32- Acontecimentos marcantes de 1855. - A obra mediúnica do ferreiro Linton. - O histórico das manifestações espiritistas segundo o pioneiro W. Capron. - Roberto Hare, professor na Universi­dade de Pensilvânia, e seu monumental livro sobre a intervenção dos Espíritos. - O Prof. Thury e o engenheiro Girard de Caudemberg.- Dunglas Home, prodigioso médium americano, visita Paris. - Sua influência na propagação das idéias espíri­tas. - As sessões com a sonâmbula Srta. Japhet e o Prof. Rivail. - Emílio Littré. - Diálogo me­morável. - Pronta a primeira parte de «O Livro dos Espíritos». - Nas Livrarias as «Revelações do Além», de Cahagnet. - O pseudônimo de AlIan Kar­dec. - O «18 de Abril de 1857». - O Barão de Gul­denstubbé e o notável fenômeno da «escrita direta». - Incontestável prova da comunicação dos Espíritos. - A relevante contribuição das «mesas girantes e falantes». - Sua destacada importância no Espi­ritismo.


Vários acontecimentos de certa monta vieram, nesse ano de 1855, fortalecer, incentivar ó trabalho de Rivail, e preparar os homens do povo e os homens de ciência para mais fácil e mais rápida aceitação da obra em que os Espíritos do Senhor punham as suas melhores espe­ranças.
Nos Estados Unidos apareciam três interessantíssimos livros, que realizavam grande propaganda do movi­mento neo-espiritualista, pelos fatos positivos neles apre­sentados: "The Healing of the Nations", N. Y., obra de origem mediúnica, com mais de 500 páginas, recebida por um ferreiro analfabeto de nome Charles Linton, e prefaciada pelo Governador Tallmadge, sobre quem já tivemos oportunidade de falar. A respeito do seu valor, assim se pronunciou o célebre escritor Sir Arthur Conan Doyle: "é indubitàvelmente uma produção notável, seja qual for a sua origem, e é absolutamente impossível que tenha sido produto normal de semelhante autor" Modern Spiritualism, its Facts and Fanaticisms", Boston, da autoria de E. W. Capron, sincera e muito bem escrita obra sobre o histórico das manifestações dos Espíritos, desde Hydesville até aquele ano de 1855. O Mundo podia agora tomar leal e completo conhecimento dos fatos ex­traordinários que revolucionavam aquele país norte-ame­ricano; contudo, o livro que fez mais barulho nos Estados Unidos e em quase todo mundo culto, foi o do Prof. Ro­berto Hare, da Universidade de Pensilvânia, célebre por diversos inventos e descobertas, membro honorário da "Smithsonian Institution", na época um dos homens de ciência de maior renome na América. "Experimental Investigation of the Spirit Manifestations, demonstrating the existence of Spirits and their communion with Mor­tals. Doctrine of the Spirit-world respecting Heaven, Hell, Morality and God, etc” - era como se intitulava a obra em questão, editada em Nova Iorque, e nela o Prof. Hare consignou suas experiências científicas, demonstrando que os fenômenos das mesas, dos raps, das pancadas, etc., eram devidos à intervenção dos Espíritos, isto é, dos nossos mortos queridos.
Na Suíça, o Prof. Thury, da Universidade de Gene­bra, despertava respeitosa atenção dos estudiosos com a sua brochura – “Les tables tournantes considérées au point de vue de la question de physique générale qui s'y rattache", obra da qual já destacamos, alhures, alguns trechos. Explicando que uma substância de natureza des­conhecida, própria do nosso organismo, e a que ele deu o nome de psioodo) seria suscetível, em certas condições especiais, de exteriorizar-se e agir sobre os corpos iner­tes, o Prof. Thury não considerou, entretanto, absurda a hipótese da intervenção de Espíritos. Sua obra contri­buía enormemente para firmar um fato: o levantamento, sem contacto algum, da mesa, dando o que pensar a mui­tos incrédulos.
Na França, o engenheiro Girard de Caudemberg (ou Codemberg?), membro de várias Academias, ho­mem positivista por educação, um sábio afinal, segundo Luís Figuier, escrevia no boletim científico do periódico "L’Assemblée Nationale” do qual era redator: "Os fenô­menos do movimento das mesas, e especialmente aqueles que o Sr. Gasparin estudou 'com certo aparato científico, só podem encontrar sua explicação numa potência sobre­natural, inteligente, animada... que se manifesta fora dos operadores, ainda que sujeita, de certo modo, à in­fluência de seus desejos e de suas vontades."
As comunicações que ele vinha obtendo dos Espíri­tos, a princípio por intermédio da mesa e logo depois pela psicografia manual, deram muito que falar, o que, entretanto, não impediu que ele publicasse, em 1857, na cidade de Paris, um livro intitulado - "Le Monde spiri­tuel ou Scienoe chrétienne de communiquer intimement avec les puissances célestes et les âmes heureuses" livro que é, em suma, um vibrante testemunho da realidade dos fatos, apesar de conter doutrinas errôneas.
Outro acontecimento digno de nota, no ano de 1855, é a visita que o prodigioso médium Daniel Dunglas Home, nascido na Escócia, mas vivendo nos Estados Unidos, fez a Paris no mês de Outubro daquele ano.
Tinha ele ido à Europa a conselho dos médicos, para tratamento de saúde, mas tem-se a impressão de que Forças Superiores poderosamente concorreram para aquele fim, e daí dizer o Prof. Rivail que "se ele veio é porque devia vir”.
Primeiramente desembarcara na Inglaterra, em Abril de 1855, e aí respeitáveis inteligências, como Lord Brou­gham, o cientista Sir David Brewster, o conde de Dunraven, os talentosos romancistas Lord Lytton e Anthony Trollope, o alienista Dr. J. Garth Wilkinson, etc., etc., testemunharam a realidade de certo número de fenôme­nos espíritas.
"A França, ainda na dúvida quanto às manifestações espíritas, tinha necessidade de fatos chocantes; foi o Sr. Rome quem recebeu essa missão, pois, quanto mais chocantes os fatos, mais eco produzem. A posição, o conceito, as luzes dos que o acolheram e que ficaram convencidos pela evidência dos fatos, abalaram as con­vicções de uma multidão de gente, mesmo entre os que não puderam testemunhar ocularmente os fatos. A pre­sença do Sr. Rome foi poderoso auxílio para a propaga­ção das idéias espíritas."
Confirmando de modo insofismável a existência de forças espirituais invisíveis, o médium Rome amanhou milhares de mentes para que pouco depois pudessem aceitar a semente da Doutrina dos Espíritos, em vias de formação.
Ilustres personalidades do mundo político, social, literário e científico atestaram estupefatos, de maneira categórica e incontestável, um sem número de fenômenos (ruídos diversos, movimento, levitação e transporte de corpos pesados, instrumentos de música que tocavam so­zinhos, aparições materializadas, etc., etc.) de que era causa involuntária o médium Rome.
Rivail teve, na época, notícias de vários desses fatos maravilhosos, através de pessoas amigas que os testemu­nharam, e ele mesmo, ao que se depreende de suas pala­vras, ditas mais tarde, teria assistido a algumas sessões com o referido intermediário dos Espíritos.
Além disso, principiando a ler periódicos espíritas norte-americanos, entre os quais "Le Spiritualiste de Ia Nouvelle-Orléans", que se imprimia em francês, Kardec ampliava seus conhecimentos acerca dos fenômenos em voga, verificando, pela concordância de muitas respostas obtidas de ambos os lados do Atlântico, a universalidade dos ensinos dos Espíritos. E, sem dúvida, não lhe pas­sara despercebida a larga repercussão de extraordinários fenômenos, entre eles os de levitação e de voz direta, pro­duzidos pelos jovens irmãos Davenport (Ira e Guilherme) e comprovados por centenas de pessoas em várias cidades dos Estados Unidos, nas quais eles davam sessões públicas, obedientes à recomendação de certos Espíritos comunicantes.
Tudo isso, como é natural, concorreu para roborar, aos olhos do estudioso professor, as verdades que pro­videncialmente fluíam do Mundo dos Mortos para toda a Família Humana.
Ouvindo os Espíritos como meros informantes do Além-Mundo e não quais deuses soberanos e infalíveis, "reveladores predestinados", conforme suas próprias pa­lavras, o Prof. Rivail foi levantando o arcabouço do mo­numental edifício doutrinário do Espiritismo.
Em 1856, o ilustre pedagogo começou também a freqüentar as sessões que se efetuavam à rua Tiquetonne n. 14, na casa do magnetizador Sr. Roustan, nas quais tomava parte como médium de sérias e excelentes comu­nicações a sonâmbula Srta. Japhet, sendo empregado o processo da "cesta de bico".
Pouco tempo depois, concluída uma parte do traba­lho a que se entregara escrupulosamente fez questão de submetê-Ia a exame por parte dos Espíritos presentes às sessões do Sr. Roustan, esmerando-se em escoimá-la dos defeitos possivelmente ainda existentes.
Esse trabalho de revisão, ao princípio realizado nas sessões ordinárias, foi continuado em sessões particula­res, a pedido mesmo dos Espíritos, que desejavam, com isto, criar um ambiente mais propício para a delicada tarefa, assim como "evitar as indiscrições e os comentários do público". Dia e hora eram previamente marcados pelos Espíritos, e a Srta. Japhet sempre emprestou a melhor boa vontade e o mais completo desinteresse a esse importantíssimo trabalho.
Nesse ano, como a teoria espírita se firmava cada vez mais no terreno dos novos fenômenos, saiu a campo o então eminente discípulo de Augusto Comte - o filó­sofo e filólogo Emílio Littré. E' assim que em 15 de Fevereiro de 1856 dava ele à luz, na Revue des Deua; Mondes, págs. 847-872, longo artigo intitulado: "Des Tables Parlantes et des Esprits Frappeurs".
Littré, após recordar a fenomenologia oculta de todo um passado em que o pobre "demônio" era quase sempre palavra explicativa para tudo, descreve, em rápidas pin­celadas, o movimento "neo-espiritualista" e os diferen­tes fenômenos então observados, inclusive as mesas gi­rantes e falantes. Alinhando, a seguir, estudos de fisio­logia e patologia, atinge os estados alucinatórios, e daí por diante, num mistifório de considerações fora de pro­pósito, o autor parece ficar sem diretriz e chega ao fim sem fornecer a devida explicação para os fatos que inti­tulam o seu trabalho.
Nada tendo visto, e supondo, por não compreendê­-los, que aqueles fenômenos mediúnicos iam de encontro às suas idéias positivistas, o sábio francês tentou levantar uma explicação com argumentos psicofisiológicos, trazen­do fatos que de nenhuma forma deveriam equiparar-Se aos testemunhados em todo o Mundo, por milhares de pessoas reconhecidamente idôneas. O infeliz artigo de Littré, ao que sabemos, nenhum comentário posterior mereceu, parecendo com isso não lhe terem dado a menor importância. E, realmente, não havia outro caminho!
E é por essa época que Vítor Hugo se dirige aos positivistas, negadores sistemáticos da existência da alma e de um mundo além da morte, e lhes fala poeticamente desta maneira:
"Pois quê! negais intransigentemente o mundo invisível ... Mas essa criação invisível, quem vos diz que um dia não a vereis?"
E o pujante escritor descreve, a seguir, a impressão que teria uma criatura que acordasse pela manhã, na semiobscuridade do seu quarto.
“... Súbito, um raio de sol nascente passa pelo pos­tigo da janela, e percebeis um mundo... uma imensidade de grãos de poeira. Eis o invisível tornado visível.
"Um dia, despertareis num outro leito, vivereis des­sa grande vida a que chamam morte, olhareis, e vereis a escuridão. Inesperadamente, o sol nascente do infinito brilhará acima do horizonte, e um raio de luz, da verda­deira luz, atravessará as profundezas, a perder-se de vis­ta; então, estupefato, admirareis nessa região de clarida­de, simultaneamente, bruscamente, confusamente, juntos voando, turbilhonando, afastando-se, pairando, milhões de seres desconhecidos, uns celestiais, outros infernais, esses Invisíveis que hoje negais, e sentireis asas se abri­rem atrás de vós, e sereis um convosco mesmo."
O 12 de Junho de 1856 veio inscrever nos fastos aurorais do Espiritismo uma página de rara beleza e emo­tividade, a qual aqui nos permitimos transcrever in-totum) certos de que nossos pacientes leitores nos aprovarão esta medida.
O Prof. Rivail, em sessão na casa do Sr. C ... , en­treteve com o Espírito da Verdade, através da médium Srta. Aline C ..., o memorável.diálogo abaixo:
"Pergunta (ao Espírito da Verdade) - Bom Espí­rito, eu desejaria saber o que pensas da missão que alguns Espíritos me assinaram. Dize-me, peço-te, se é . uma prova para o meu amor-próprio. Tenho, como sabes, o . maior desejo de contribuir para a propagação da ver­dade, mas, do papel de simples trabalhador ao de missionário-chefe, a distância é grande e não percebo o que possa justificar em mim graça tal, de preferência a tantos outros que possuem talento e qualidades de que não dis­ponho.
Resposta - Confirmo o que já te disseram, mas recomendo-te muita discrição, se quiseres sair-te bem. Tomarás mais tarde conhecimento de coisas que te expli­carão o que ora te surpreende. Não esqueças que podes triunfar como podes falir. Neste último caso, outro te substituiria, porquanto os desígnios de Deus não assen­tam na cabeça de um homem. Nunca, pois, fales da tua missão; seria a maneira de a fazeres malograr-se. Ela somente pode justificar-se pela obra realizada, e tu ainda nada fizeste. Se a cumprires, os homens saberão reco­nhecê-Io, cedo ou tarde, visto que pelos frutos é que se verifica a qualidade da árvore.
P. - Nenhum desejo tenho certamente de me van­gloriar de uma missão na qual dificilmente creio. Se estou destinado a servir de instrumento aos desígnios da Providência, que ela disponha de mim. Nesse caso, re­clamo a tua assistência e a dos bons Espíritos, no sentido de me ajudarem e ampararem na minha tarefa.
R. - A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se, de teu lado, não fizeres o que for necessário. Tens o livre arbítrio, do qual podes usar como o entenderes nenhum homem é constrangido a fazer coisa alguma.
P. - Que causas poderiam determinar o meu malo­gro? Seria a insuficiência das minhas capacidades?
R. - Não; mas a missão dos reformadores é prenhe de escolhos e perigos. Previno-te de que é rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo inteiro. Não suponhas que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficares tranquila­mente em casa. Tens que expor a tua pessoa. Suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se con­jugarão para a tua perda; ver-te-ás a braços com a male­volência, com a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais dedicados; as tuas melhores instru­ções serão desprezadas e falseadas; por mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga; numa palavra: terás de sustentar uma luta quase contínua, com sacrifício de teu repouso, da tua tranqüilidade, da tua saúde e até da tua vida, pois, sem isso, viverias muito mais tempo. Ora bem! não poucos recuam quando, em vez de· uma estrada florida, só vêem sob os passos urzes, pedras agu­das e serpentes. Para tais missões, não basta a inteli­gência. Faz-se mister, primeiramente, para agradar a Deus, humildade, modéstia e desinteresse, visto que Ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os ambiciosos. Para lutar contra os homens, são indispensáveis coragem, perseverança e inabalável firmeza. Também são de ne­cessidade prudência e tato, a fim de conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes comprometer o êxito com palavras ou medidas intempestivas. Exigem-se, por fim, devotamento, abnegação e disposição a todos os sacri­fícios.
Vês, assim, que a tua missão está subordinada a condições que dependem de ti.
Eu -- Espírito da Verdade, agradeço os teus sábios conselhos. Aceito tudo, sem restrição e sem idéia pre­concebida.
Senhor! pois que te dignaste lançar os olhos sobre mim para .cumprimento dos teus desígnios, faça-se a tua vontade! Está nas tuas mãos a minha vida; dispõe do teu servo. Reconheço a minha fraqueza diante de tão grande tarefa; a minha boa vontade não desfalecerá, as forças, porém, talvez me traiam. Supre a minha defi­ciência; dá-me as forças físicas e morais que me forem necessárias. Ampara-me nos momentos difíceis e, com o teu auxílio e dos teus celestes mensageiros, tudo envi­darei para corresponder aos teus desígnios."
Em meado de Junho de 1856 estava revista a pri­meira parte do futuro livro que Rivail tinha o propósito de publicar, o qual, diga-se entre parêntesis, se consti­tuiria, em sua 1ª edição, de três partes: "Doutrina Espí­rita", "Leis Morais" e "Esperanças e Consolações" .
Estando o genial compilador, em 17 de Junho, no lar do Sr. Baudin, aí, em sessão especial com a mé­dium Srta. Baudin, perguntou ao Espírito da Verdade: - "Uma parte da obra foi revista; quererás ter a bon­dade de dizer-me o que dela pensas?" E a resposta não se fez esperar: "O que foi revisto está bem; mas quando a obra estiver acabada deverás revê-Ia novamente, a fim de ampliá-Ia em certos pontos e abreviá-Ia noutros."
Denizard Rivail vinha agora ativamente trabalhando na segunda parte do livro, na que respeita às Leis Morais, auxiliado, como sempre, por uma plêiade de elevadíssimos Espíritos, entre eles São Luís, São Vicente de Paulo, Santo Agostinho, Fénelon, Swedenborg, etc., todos supe­rintendidos pelo Espírito da Verdade.
Esses mesmos mensageiros do Senhor, objetivando afervorar o ânimo de Rivail, pouco depois lhe renova­vam, através de confortadora e muito instrutiva comu­nicação, afirmações anteriormente feitas, dizen­do-lhe entre outras coisas: "Ocupa-te, cheio de zelo c perseverança, do trabalho que empreendeste com o nosso concurso, pois esse trabalho é nosso. Nele pusemos as bases de um novo edifício que se eleva e que um dia há-de reunir todos os homens num mesmo sentimento de amor e caridade”.
Nesse "meio tempo causava sensação em toda a Paris um novo livro do conceituado e erudito magnetizador Afonso Cahagnet, que havia muitos anos se dedicava ao intercâmbio com os Espíritos dos chamados mortos. Cha­mava-se essa obra - "Révélations d'outre-tombe", ditada por vários Espíritos, e abrangendo os mais diversos as­suntos referentes a ambos os planos da Vida. Foi ela como que o prelúdio da que viria meses depois!
Correm os dias... A 11 de Setembro de 1856, achan­do-se Rivail em casa do Sr. Baudin, a ler para este alguns capítulos da segunda parte da obra em preparação, a Srta. Baudin caiu em transe e espontaneamente escre­veu: "Compreendeste perfeitamente o objetivo do teu trabalho. O plano está bem concebido. Estamos satis­feitos contigo. Continua; mas, sobretudo, lembra-te, concluída a obra, de que te recomendamos a faças imprimir e a propagues. Estamos satisfeitos, e jamais te abando­naremos. Crê em Deus, e avante. Muitos Espíritos."
Rivail não perde tempo. Investido da missão de pa­tentear aos homens novas luzes para o seu progresso e felicidade, com autoridade bastante para analisar, con­frontar, selecionar, ordenar, sistematizar e comentar as instruções que continuava a receber de diversos médiuns, na sua maior parte escritas sob as suas próprias vistas, Rivail, o sábio educador lionês, prosseguiu, dia e noite, no acabamento e aperfeiçoamento sucessivo de sua obra. Mais de dez médiuns prestaram seu concurso a esse magno trabalho, muitas vezes retocado por ele mesmo, quando, a sós, "no silêncio da meditação", pedia aos Céus o inspirassem nesse empreendimento altamente melin­droso.
A obra chega finalmente ao seu término. Escreve­-lhe o Prof. Rivail magnífica "Introdução", síntese magistral da Doutrina Espírita, e põe-lhe por fecho uma "Conclusão" elogiável sob todos os pontos de vista. Es­tava pronto "O LIVRO DOS ESPIRITOS", a obra básica de uma filosofia que modificaria as concepções estacio­nárias em que se conservava a Humanidade.
Entretanto, obediente ainda ao que meses atrás re­comendara o Espírito da Verdade, o grande missionário francês torna a rever a obra, ampliando aqui, abreviando ali, aprimorando-a em todas as partes, para, por último, entregá-Ia ao prelo das Livrarias E. Dentu, em Paris, nos primeiros dias de Janeiro de 1857.
Nas provas tipográficas dá a última demão. Agora, era chegado o momento de paginação e impressão, e ha­via mister designar o autor do livro. Conta Henri Sausse que Rivail refletiu maduramente sobre esse problema. Usar o próprio nome, conhecidíssimo nos meios culturais de França, em virtude de suas numerosas produções didáticas, poderia trazer confusão e talvez prejudicar o êxito do empreendimento. Ademais, com a publicação de “O Livro dos Espíritos", sua existência entrava em nova fase, distinta da anterior, fase em que os trabalhos já não eram somente seus, mas resultantes da direção e do concurso de vários Espíritos. E, por assim pensar, passou a adotar o pseudônimo de ALLAN KARDEC, nome que lhe pertencera em existência anterior, conforme lhe fora revelado por Zéfiro, seu Espírito protetor.
Entra em máquina a obra em questão, e os dias se sucedem cheios de ansiedade para ambos os planos da vida. Por fim, em 18 de Abril de 1857, aparece à venda nas livrarias "O Livro dos Espíritos", com 501 perguntas e respectivas respostas.
O lançamento deste marco revolucionário das idéias espiritualistas, assente em fatos atestados por milhares de testemunhas, escrito em linguagem clara, elegante e precisa, isento das "fórmulas abstratas da Metafísica", alcançou êxito surpreendente, e Allan Kardec se inscre­veu para sempre entre os reformadores que mais reco­mendam seus nomes à imortalidade.
"Data do aparecimento de “O Livro dos Espíritos" a verdadeira fundação do Espiritismo, que, até então, só contava com elementos esparsos, sem coordenação e cujo alcance nem toda a gente pudera apreender. Desde esse momento a doutrina cativou a atenção dos homens sérios e tomou rápido desenvolvimento."
Os Espíritos incumbidos de preparar o advento da Terceira Revelação tudo dispuseram para que não fal­tassem à Codificação Kardequiana os meios comas quais ela cimentaria sua perpetuidade através dos séculos.
É assim que em 1857 surgia também na França, um outro livro curioso, que despertou de imediato a aten­ção geral. Seu autor era o honrado Barão L. de Guldens­tubbé, que gozava de elevada reputação, e a obra se inti­tulava: "Pneumatologie positive et expérimentale. La réalité des Esprits et le phénomene merveilleux de leur écriture directe démontrée". Relata esse volume cerca de quinhentas experiências de escrita direta devida aos Espíritos, efetuadas por ele, Guldenstubbé, juntamente com o Conde de Ourches, o general Barão de Brewern e o Marquês de Planty, experiências confirmadas por mais de cinqüenta pessoas e iniciadas em Agosto de 1856.
O fenômeno já era conhecido na América desde al­gum tempo, mas na Europa constituía espantosa novidade, de sorte que a publicação do mencionado livro, com 15 estampas e 93 fac-símiles de escritos em línguas di­versas, muitos deles reconhecidos como pertencentes a pessoas falecidas, - veio aduzir novas e esmagadoras provas a favor da realidade do mundo dos Espíritos e sua comunicação com os seres humanos.
Parafraseando um trecho de "O que é o Espiritis­mo", diremos que se Denizard Rivail não se aprofundasse no estudo do fenômeno burlescamente conhecido por "dan­ça das mesas"; se Newton não houvesse prestado atenção à queda de uma maçã; se Galvani não investigasse o porquê do movimento acidental das pernas de rãs mortas; se Franklin não se valesse de um simples papagaio, ­talvez por muito tempo ainda ficássemos sem conhecer a imortal Doutrina Espírita, a admirável lei da gravita­ção universal, as fecundas propriedades da pilha elétrica e o utilíssimo pára-raios.
Quis Deus, entretanto, que das mesas girantes e falantes, por alguns anos simples objeto de curiosidade e divertimento nos salões franceses, ridiculizadas e até ana­tematizadas (!), surgissem vastas e profundissimas de­duções científicas e filosófico-religiosas, de conseqüências extremamente benéficas para o presente e o porvir de toda a Humanidade.
A "época heróica das mesas girantes", assim chamada a época febril desses fenômenos, extinguiu-se com a publicação de “O Livro dos Espíritos". Isso, con­tudo, não obstou a que elas, embora tendo constituído apenas o "período de gestação", a "infância" do Espiri­tismo, segundo as expressões de Kardec, ainda por muito tempo (mas agora em sessões sérias, científicas) contri­buíssem, em diferentes partes do Mundo, para abalar ou convencer inúmeros cépticos e negativistas.
Stainton Moses, renomado pregador, professor na University College School; Alfredo Russel Wallace, fa­moso naturalista, membro proeminente da Sociedade Real de Londres; Cromwell Varley, engenheiro-chefe das com­panhias de telegrafia internacional e transatlântica, mem­bro da Sociedade Real de Londres; William Crookes, o sábio descobridor das célebres ampolas de Crookes, do tálio, etc.; CharIes Richet, professor da Faculdade de Medicina de Paris, prêmio Nobel de Medicina e Fisiolo­gia; Lombroso, professor de Medicina Legal e Antropo­logia Criminal na Universidade de Turim, internacional­mente admirado pelos seus estudos de Criminologia; Sir Oliver Lodge, membro da Sociedade Real de Londres e reitor da Universidade de Birmingham; Henrique Mor­selli, professor na Universidade de Gênova, eminente psi­quiatra e neurologista; J. Ochorowicz, professor na Uni­versidade de Lemberg; Alexandre Aksakof, lente da Aca­demia de Leipzig e Conselheiro privado de S. M. o Impe­rador da Rússia; o barão Dr. Schrenck-Notzing, respeitadíssimo por todos os homens de saber; William Craw­ford, professor de Mecânica Aplicada na Universidade de Belfast; e uma multidão' de outros eminentes cientistas, que seria fastidioso aqui alinhar, deveram às mesas, em experiências submetidas a rigoroso controle, o conheci­mento de uma faceta do Grande Desconhecido.
Bom meus irmãos como vêem , muita coisa ainda se poderia escrever acerca das "manifestações das mesas" (com no­vos e mais extraordinários característicos) e sua imensa importância na evolução do movimento espirítico que em 1848 teve o seu berço nos Estados Unidos, alastrando, num surto sem igual, o mundo todo, e que adquiriu com AlIan Kardec, quase um decênio depois, a expressão mar­cante de uma grandiosa Doutrina.
Paz e bem !!